CONSEQUENCIAS JURÍDICAS DA PAIXÃO

Com a paixão vem uma necessidade de realizar os desejos da pessoa amada, ainda que isso possa custar caro. Em seu delírio, o apaixonado não faz contas, nem mede os riscos a que eventualmente estará se submetendo. Ele simplesmente se obriga, assumindo responsabilidades que supõe serem mínimas diante da grandeza de seu amor.

A pessoa apaixonada reside longe da realidade, no plano do sonho, na perfeição que a reação química em seu cérebro constrói. Na paixão, a pessoa experimenta altos níveis de dopamina e norepinefrina (noradrenalina), o que redunda em exaltação e  euforia, e transforma seu cérebro em um grande e sorrateiro traidor.

Para o apaixonado é difícil divisar o afeto das questões materiais. E muito mais improvável é que, ao realizar os desejos da pessoa amada, pense em consequências jurídicas do que faz.

O apaixonado não hesita em emprestar folhas em branco de seu talonário de cheques para que o ser amado possa utilizar em negócios nem sempre seguros. Também não se assusta, nem indaga sobre valores, quando recebe o convite para ser fiador em algum negócio. Muitas vezes, acha perfeitamente normal registrar como seu o filho que sua amada teve com terceiro.

E essas atitudes são apenas para exemplificar.

É verdade que nem todo mundo enlouquece inteiramente a ponto de cometer desatinos graves, mas acontece com alguns. Veja algumas hipóteses reais colhidas de decisões judiciais:

 

a) Caso do namorado que emprestou cheques para a namorada:

O namorado emprestou folha de cheque em branco para sua namorada, com o compromisso desta suprir os fundos necessários à compensação. Posteriormente houve rompimento do namoro, não houve pagamento do cheque (talvez uma retaliação defensável) e a obrigação demorou um ano para ser quitada. Neste período o namorado abandonado teve seu nome negativado.

Além de ter de pagar o débito, o ex-apaixonado esteve impedido de realizar outros negócios que dependiam da higidez de seu nome. Então propôs ação indenizatória. O Tribunal negou a possibilidade de indenização porque o emitente do cheque, em relação ao terceiro, detinha a responsabilidade pelo pagamento do valor expresso no título. As circunstancias afetivas pouco interessaram à Justiça.

Leia a ementa de caso semelhante julgado pela 4ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. CHEQUE INADIMPLIDO. INSCRIÇÃO DO NOME DO DEMANDANTE NO CADASTRO RESTRITIVO DOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. ALEGAÇÃO DE QUE OS SERVIÇOS PRESTADOS PELO REQUERIDO TERIAM SIDO   EFETIVAMENTE CONTRATADOS PELA EX-NAMORADA DO POSTULANTE. IRRELEVÂNCIA. PAGAMENTO EFETUADO COM CÁRTULA DE TITULARIDADE DO RECORRENTE. RESPONSABILIDADE CAMBIÁRIA DO EMITENTE PELA EXISTÊNCIA DE FUNDOS DISPONÍVEIS EM PODER DO BANCO SACADO. ART. 15 DA LEI Nº 7.357/85.SATISFAÇÃO DA DÍVIDA QUANDO JÁ TRANSCORRIDOS 9 MESES DESDE O VENCIMENTO. ANOTAÇÃO REGULAR. EXERCÍCIO DE UM DIREITO DO CREDOR. AUSÊNCIA DE JUSTO MOTIVO, TODAVIA, PARA A MANUTENÇÃO DO MALSINADO REGISTRO APÓS A QUITAÇÃO DO DÉBITO. NEGLIGÊNCIA DO DEMANDADO. ATO ILÍCITO CONFIGURADO. CIRCUNSTÂNCIA QUE, VIA DE REGRA, JUSTIFICA A ATRIBUIÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL. REPARAÇÃO, ENTRETANTO, EXCEPCIONALMENTE INDEVIDA. (…) Apelação Cível n. 2013.069256-6.

b) Ele perdeu a própria casa porque era fiador dela, mas ela – devedora principal – não perdeu a dela:

O namorado, proprietário de um único imóvel de moradia, para facilitar a vida da namorada compareceu como fiador em contrato de locação, para que ela pudesse morar em um apartamento próximo à universidade enquanto concluía seu curso.

Ela tinha imóvel próprio na sua cidade natal, para onde retornou depois de concluir seu curso e romper com o namorado.

De lembrança deixou para ele enorme dívida de locação e encargos. Como ninguém pagou, a cobrança foi para a Justiça.

O tribunal, interpretando o art. 3º, inciso VII da Lei 8.009/1990, decidiu que ele – fiador e ex-namorado – poderia ter seu único imóvel penhorado por conta da dívida.

Ela, contudo, devedora principal, não poderia ter seu imóvel penhorado por conta da impenhorabilidade do bem de família (mesma lei 8.09/1990).

Veja algumas decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) neste sentido:

a) (…) 3. A orientação predominante nesta Corte é no sentido de que a impenhorabilidade prevista na Lei n.º 8.009/90 não se estende ao imóvel do fiador, em razão da obrigação decorrente de pacto locatício. (AgRg no REsp 1061373/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 07/02/2012, DJe 27/02/2012)

b) AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO. FIANÇA. BEM DE FAMÍLIA DE FIADOR. PENHORA. POSSIBILIDADE. 1. O entendimento desta Corte está na linha da jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal Federal que, no julgamento do RE nº 407.688-8/SP, DJU de 8/2/2006, declarou a constitucionalidade do inciso VII do artigo 3º da Lei nº 8.009/90, que excepcionou da regra de impenhorabilidade do bem de família o imóvel de propriedade de fiador em contrato de locação. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp 1002833/MG, Rel. Ministro PAULO GALLOTTI, SEXTA TURMA, julgado em 14/10/2008, DJe 17/11/2008)

c) LOCAÇÃO. FIANÇA. PENHORA EM BEM DE FAMÍLIA DE FIADOR. POSSIBILIDADE. PRECEDENTE DO STF. DECISÃO MANTIDA. 1. Pacífico o entendimento deste Superior Tribunal de ser penhorável o imóvel familiar dado em garantia de contrato locativo, em face da exceção introduzida no inciso VII do artigo 3º da Lei n. 8.009, de 1990 pela Lei do Inquilinato. 2.  O Supremo Tribunal Federal já decidiu que essa compreensão não ofende o direito de moradia previsto no artigo 6º da Carta Magna. 3. Agravo regimental improvido. (AgRg nos EDcl no Ag 1023858/RJ, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 28/08/2008, DJe 28/10/2008)

c) O namorado que registra como seu filho de outrem não tem direito de mudar de idéia:

O namorado, apaixonado pela moça, resolveu registrar como seu o filho de outro. Foi ao Cartório de Notas e lavrou escritura pública de reconhecimento de filho. Alguns anos depois, houve rompimento da relação e, em represália, o “papai” promoveu ação negando a paternidade por inexistência de vínculo biológico.

O STJ tem sedimentado o entendimento que somente é possível negar a paternidade aquele que somente reconheceu o filho em razão de vício de consentimento (erro, dolo, coação …); Se o reconhecimento foi voluntário, o reconhecimento não pode ser desfeito. Veja a ementa seguinte:

(…) 1.- Reconhecida a paternidade, por escritura pública, levada ao Registro Civil, não há amparo para que o genitor venha ulteriormente a negá-la, ainda que, por exame de DNA, seja excluída a paternidade biológica, não prejudicando o reconhecimento o fato de o Acórdão recorrido aludir à sua realização como “adoção à brasileira”. 2.- A jurisprudência desta Casa é pacífica ao proclamar que, se os fundamentos adotados bastam para justificar o concluído na decisão, o julgador não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos utilizados pela parte. (REsp 1098036/GO, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/08/2011, DJe 01/03/2012)

Como se pode ver, todo cuidado é pouco com amores delirantes.

Se você acha que não vai conseguir se segurar, peça um parente seu para te interditar tão logo ele perceba os sinais da paixão.

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